É difícil manter-nos sensatos quando penetramos no mistério do tempo. Alguém disse: o tempo é Deus, pois é infinito. Eterno, desconhecido e todo poderoso. As dimensões, as noções, tudo o que é material e tudo que não o é, tudo pode desaparecer, exceto o tempo, que desafia o próprio nada. O tempo azul ou negro, indestrutível e paciente, ungido de silêncio e de inacessibilidade, indomável. No domínio cientifico, o tempo é um desconhecido que se interpreta e acomoda, mas sempre, no fim de contas, com um erro inevitável.
Nós ignoramos totalmente em que ano vivemos, 1965, 1982, 2011 são aproximações apoiadas em uma incerteza maior: a data de nascimento de Cristo.
Conta-se uma anedota curiosa da qual o tempo, o diabo e um alquimista são os heróis. O alquimista, para conseguir o segredo da transmutação, assinara um pacto com o diabo a 5 de outubro, festa de São Francisco de Assis, no ano da graça de 1573. Tratava-se de um contrato 3-6-9 que o arrendatário assinou com o próprio sangue, comprometendo-se a entregar a alma no vencimento do prazo, ou seja ao fim de nove anos, exatamente.
No primeiro ano, revelou o segredo do ouro e o alquimista tornou-se muito rico; no terceiro ano, revelou o segredo do poder e o alquimista transformou-se em uma personalidade importante; no sexto ano, para evitar a anulação revelou o segredo da juventude e o alquimista cessou de envelhecer. Mas chegou o nono ano, e o Diabo, a 4 de Outubro, ao anoitecer, foi bater a porta de predestinado para o Inferno.
A porta foi-lhe aberta por lacaios que o precederam numa suntuosa sala onde estava a mesa posta com dois lugares: pratos de ouro e tigelas de esmalte, vinhos franceses e iguarias suculentas, frutas maduras e sobremesas das ilhas.
- Posto isso – disse o diabo – creio, compadre, que desejas abandonar este mundo no meio de grande jubilo?
- Eu aguardava-vos mestre Satanás, e convido-vos a jantar comigo! Eram apenas dez horas da noite e o diabo pensou que seria agradável festejar enquanto esperava pela hora de receber a mercadoria, á noite.
Sentou-se portanto diante do alquimista e comeu tanto como ele, lançando de vez em quando uma olhadela ao relógio de parede, pois nada é mais importante para o coração de um Diabo do que a posse da alma de um cristão. Por fim, os ponteiros marcaram meia noite e menos dois minutos e Satanás não pode conter-se.
- Compadre, tem de se preparar para me seguir. Daqui a dois minutos já estaremos no dia 5. Contratos são contratos!
- Quer então dizer ...? perguntou o alquimista.
- Quer dizer que a 5 de Outubro de 1573 assinaste um pacto comigo, no qual te comprometeste a entregar-me a tua alma exatamente nove anos depois. Um pacto é um pacto, e ninguém pode dizer ao contrário!
- E quando deverei portanto dar-vos a minha alma, mestre Satanás?
- A 5 de Outubro... ou seja dentro de um minuto e trinta segundos exatamente.
- É assim tão urgente, mestre Satanás?
- O pacto fala no dia 5 de Outubro e não em qualquer outro dia. Portanto... Agora é dentro de um minuto.
- Dizeis de fato 5 de Outubro?
- Sim, digo 5 de Outubro... Nem quatro, nem seis, mas justamente cinco e vou resolver o assunto.
- Um segundo por favor mestre!
Assim que acabou de proferir esta frase, o alquimista bateu palmas e entraram na sala dois frades leigos. – Perdeste, compadre – troçou o Diabo. – Os irmãos leigos nada podem fazer, o que esta assinado esta assinado e...
O relógio deu as doze badaladas da meia noite no meio de um silêncio solene e o demônio prosseguiu:
- Agora estamos no dia 5 de Outubro e a tua alma pertence-me!
- Enganai-vos! Exclamou o suposto danado. – Enganai-vos mestre Satanás! Perguntai-o então a estes irmãos!
Eles devem dizer a verdade e, se estamos no dia 5 de Outubro, a minha alma pertencer-vos-á!
- Pois bem – disse Satanás dirigindo-se aos irmãos – em que sai estamos nós?
- Este dia é o 15 de Outubro do ano da graça, pode dizer-se, de 1582, por decisão de Sua Santidade Gregório XIII que acaba de reformar o calendário Juliano. Em todos os estados católicos do Mundo, este é o dia 15 de outubro!
- Podeis jurá-lo? Perguntou Satanás.
- Juramo-lo perante Deus – disseram os irmãos leigos.
Houve um grande turbilhão de chamas e de fumo, um nauseabundo cheiro de enxofre e o Diabo desapareceu.
Era verdade: no dia 5 de Outubro de 1582, o tempo dera um salto de gato para por no seu lugar o equinócio da Primavera, que retrocedera dez dias por causa do calendário de Julio César.
E o Papa ordenara que esse dia 5 de Outubro ficaria a ser 15.
O alquimista chamava-se o conde de Saint-Germain.
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